Portugal avalia veículos a gás natural
Alison Roberts
International Gas Report, nº 779, 27/Julho/2015
Projectos piloto em Portugal para testar o desempenho de camiões movidos a gás em relação àqueles a gasóleo estão a estimular transportadores a considerarem a renovação das suas frotas, com pelo menos uma grande encomenda já adjudicada.
Os projectos estão em andamento à medida que uma rede nacional de postos de enchimento vagarosamente começa a tomar forma, com financiamento da União Europeia.
A primeira conferência da Associação Portuguesa do Veículo a Gás Natural, em Setembro de 2014, centrou-se nas experiências de companhias de transporte de passageiros. Um workshop da APVGN efectuado em 30 de Junho último reexaminou ensaios de transportadores rodoviários, alguns em parceria com grandes clientes.
Enquanto isso, contratos em concurso para serviços de autocarros nas duas principais cidades de Portugal incluem cláusulas que exigem a renovação das suas frotas envelhecidas, como disse o presidente da APVGN, Jorge Jacob, considerando que isto representava uma oportunidade para trocar veículos a gasóleo existentes por outros movidos a gás, ou para efectuarem o retrofitting. Embora no operador municipal do Porto, STCP, pioneiro na utilização de gás a partir de 1999, quase a metade dos seus autocarros seja a gasóleo. Como também a vasta maioria daqueles da Carris de Lisboa.
No workshop de Junho também interveio Nuno Moreira, executivo chefe da Dourogás. Com a sua marca Goldenergy, a Dourogás está a competir com o antigo monopólio distribuidor da Galp Energia pelo segundo lugar no mercado de gás canalizado para lares e negócios, e em 2014 começou a implantar o que projecta ser uma rede nacional de estações de enchimento.
Segundo Moreira, o posto aberto no ano passado no Carregado – a principal zona logística de Portugal, a norte de Lisboa – é muito utilizada por transportadores rodoviários. Um outro foi aberto no Picoto, ao sul do Porto, considerado um negócio “razoável”, incluindo autocarros. Este e o posto de Mirandela aberto em 2013 juntaram-se a outros em Vila Real, no centro do norte de Portugal e em Loures, próximo do mercado grossista de Lisboa. Um outro deve abrir em 2016 em Elvas, próximo à fronteira espanhola.
Mais de 400 camiões e autocarros agora reabastecem-se diariamente com a Dourogás, segundo Moreira, rompendo o círculo vicioso da falta de postos e de veículos para utilizá-los. “Hoje eles existem, estão bem localizados e estão prontos para serem utilizados”, afirmou.
O projecto é financiado parcialmente pelo projecto Corredores Azuis da UE, o qual pretende “estabelecer o GNL como uma alternativa real para transporte a média e longa distância – primeiro como um combustível complementar e posteriormente como um substituto adequado para o gasóleo”. Dois dos quatro corredores terminam em Portugal.
Questões de custo
Moreira afirmou que em termos unitários o gás natural importado custa cerca da metade do gasóleo. Mas enquanto as [energias] renováveis agora atendem o grosso do consumo eléctrico nacional, nos transportes é uma história diferente apesar dos incentivos oferecidos com as reformas deste ano da “fiscalidade verde”.
Em última análise, contudo, como deixaram claro as empresas que participaram no workshop, o seu foco está no desempenho dos veículos e em como isto afecta a competitividade. Nas palavras de Ricardo Félix, da consultora Logistema: “Isto não é um experimento romântico; estas são pessoas inteligentes”. A dimensão relativamente pequena do mercado português torna-o um bom lugar para navegadores.
A Dourogás afirma que os custos operacionais dos seus próprios camiões cisterna são cerca de 30% inferiores aos de veículos a gasóleo equivalentes, mas as experiências das empresas variam.
Gustavo Paulo Duarte, da Transportes Paulo Duarte, disse que tomou medidas muito cuidadosas a fim de julgar com precisão o desempenho relativo dos veículos. “Pensamos que estes veículos deveriam ser comparados tão directamente quanto possível, de modo que fizemos um dia com gás natural e no dia seguinte a mesma rota de distribuição com gasóleo”. Ele descreveu o gás como “uma alternativa confiável”, mas estava ansioso por melhorias técnicas que possam dar uma vantagem real.
Fernando Torres da Torrestir foi mais entusiasta acerca dos seus dois veículos movidos a gás – um camião tractor utilizado em estradas em torno da região e um camião de 3.500 kg em Braga. Os resultados “bastante positivos” mostraram que o custo por quilómetro rodado foi 10 a 20 cêntimos de euro menor do que o gasóleo e, apesar da escassez de postos enchimento, a companhia avançou e encomendou 100 camiões ligeiros para distribuição urbana.
“Se os resultados forem positivos, então precisaremos e postos de enchimento nas cidades”, disse ele, observando que o ambiente regulamentar podia mudar suavemente. “Em Lisboa há uma tendência para veículos eléctricos e eles querem proibir o gasóleo na cidade, de modo que temos de procurar por alternativas”.
Torres informou à Platts que espera alguns dos novos camiões – todos veículos de 3500 kg utilizados para entregas porta a porta – entrarem em serviço este ano e os restantes no próximo.
Sérgio Ferreira, da Transportes Três Mosqueteiros, notou ainda não há postos de enchimento no sul de Portugal, onde tem a sua sede, o que exigiria maiores desvios para atender os hipermercados dali. E no norte montanhoso, onde ensaiou um camião movido a gás durante sete meses, descobriu que a potência mais baixa do camião significava que os condutores muitas vezes eram forçados a andar vagarosamente nas subidas.
Globalmente, de qualquer forma, a companhia estava [bem] impressionada. “Ainda pensamos que isto é o futuro e que seremos capazes de investir em mais veículos”, disse Ferreira.
Sobre a questão da potência, Paulo Duarte notou que os veículos de mercadorias a gasóleo normalmente têm um mínimo de 420 cavalos, contra 350 para aqueles a gás. Mas argumentou que isto geralmente não é um problema para um bom condutor. “A menor potência significa que ele tem de ser conduzido utilizando a energia cinética do veículo e com uma caixa de câmbio manual de modo a que o condutor possa tirar o máximo disto”, disse ele.
Félix, da consultora Logistema, também considera que as questões potência serão corrigidas por mudanças tecnológicas.
Questões de manutenção
Sobre custos de manutenção, Jorge Gomes da Costa, do operador de autocarros Carris de Lisboa, falando da audiência, disse que apesar de serem cerca de 20% mais altos para autocarros a gás, isto se deve ao preço no mercado de serviços, não a questões técnicas.
Dalila Tavares, do maior transportador rodoviário de Portugal, a Luís Simões, foi a participante mais céptica do painel. A empresa havia “aprendido muito” durante o seu ensaio de 11 meses e o gás comparava-se bem em alguns aspectos, mas não ainda no custo geral, disse ela. “A verdade é que o mercado não está preparado para pagar mais para ser mais verde”, asseverou Tavares. “O facto de não haver mercado de segunda mão [para veículos a gás] significa que é preciso pensar em termos de investimento a longo prazo”.
O segmento mais prometedor, disse Tavares, não está nos camiões de 40 toneladas mas naqueles mais pequenos para logística urbana, em que os veículos fazem menos ruído do que aqueles a gasóleo e surge um break-even mais rápido.
O impacto do período de tempo nos preços do gás sobre as decisões de investimento foi reiteradamente levantado. O grosso do gás é vendido por contrato, observou Moreira, de modo que leva vários meses para que alterações no preço do gasóleo se reflictam nos do gás, mas a estabilidade relativa dos preços do gás é importante, uma vez que grande parte do combustível é utilizado pelas famílias e pela indústria.
Entretanto, a expansão da rede de postos de enchimento e o desenvolvimento de um mercado competitivo para a manutenção inevitavelmente leva tempo. “Nós já subimos um nível e agora temos de subir outro”, disse Moreira.
Félix advertiu contra cálculos de custo tacanhos. “Há uma percepção de tendência – nas condições operacionais objectivas e na percepção do cliente das diversas marca”, disse ele. “Assim, há outros centavos envolvidos além dos “cêntimos por quilómetro por hora”. Ele louvou também a “coragem” da Dourogás em tomar uma iniciativa que podia ter sido relegada ao estado.
Paulo Duarte lamentou que as recentes reformas da “fiscalidade verde” não tivessem introduzido tributos reais para que o “poluidor pague”. Mas Moreira, da Dourogás, foi mais confiante, dizendo que as reformas apresentavam sinais importantes.
Félix concordou: “Ao contrário da conversa de uma mudança de trilho, da qual temos falado ao longo de 30 anos, isto realmente está a acontecer. Daqui a um ano, o foco estará no problema da escala”.
Paulo Carmona, presidente da Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC), descrito pelo hospedeiro Jorge Jacob como “não um regulador, mas a mover-se nesse sentido”, notou três grandes vantagens para o gás.
Primeiro, o facto de que as pressões crescentes sobre os transportadores alemães para reduzir emissões estavam a transformar o mercado; segundo, que era uma “probabilidade relativamente grande” que Portugal dentro de quatro anos pudesse explorar o gás do offshore do Algarve; e terceiro, que havia pressão política para promover o consumo de gás a fim de justificar o investimento em infraestrutura após a queda de procura das centrais de ciclo combinado em consequência da recessão.
Assim, se bem que a ENMC não adopta um ponto de vista sobre o assunto, disse Carmona, “como cidadão penso que o gás é uma boa aposta, em termos de preço e de emissões”.
— Alison Roberts