Artigo publicado nesta importante newsletter da Platts:
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Pontapé de saída no movimento VGN

Novo financiamento da União Europeia para reduzir emissões de carbono deveria ajudar a romper finalmente o grande obstáculo à utilização do gás natural em transportes nos estados membros, que até agora fizeram pouco progresso neste campo.

Portugal desprezou o investimento em veículos a gás natural até esta data, mas agora observadores começam a discernir os primeiros sinais ténues de um novo sistema de transporte em desenvolvimento no país, com base no gás natural mais limpo.

"Tem havido escassez de financiamento mas um montante significativo de fundos estará disponíveis para a conversão de frotas", afirmou o secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, numa conferência sobre veículos a gás natural em Lisboa no fim de Setembro, referindo-se a fundos disponíveis no novo orçamento da UE. "Informação, falta de alguma infraestrutura e hábito são factores a ter em conta, mas eliminar obstáculos ao financiamento é factor chave. Agora, existem instrumentos que têm como objectivo fazer exactamente isso".

Promover a utilização de gás natural é um dos três objectivos do programa de descarbonização da UE para os transportes, sendo os outros melhorar a eficiência de motores de combustão interna e a promoção de veículos eléctricos.

Se bem que os fundos da UE para a conversão de frotas venham na forma de empréstimos suaves, não de doações, as poupanças resultantes ajudarão a reembolsá-los, argumentou Trindade.

O secretário de Estado estava a falar na primeira conferência nacional organizada pela Associação Portuguesa do Veículo a Gás Natural (APVGN).

O seu presidente, Jorge Jacob, afirmou aos 250 ou mais representantes de fornecedores de gás, fabricantes automotivos, instaladores de equipamento e utilizadores naquele evento que o gás era "o único combustível em posição de substituir o petróleo no curto prazo" e que Portugal está finalmente "em posição de avançar".

A cidade do Porto foi pioneira neste campo, com a companhia municipal de autocarros, STCP, que em 1999 tomou a decisão de investir em veículos movidos a gás. A certa altura o Porto tinha mais veículos do que qualquer outra municipalidade na Europa e hoje 255 dos seus 480 autocarros são alimentados a GNC.

A operadora de Lisboa, a Carris, também tem 60 autocarros alimentados a gás entre os seus 629, alguns dos táxis da cidade utilizam o posto de abastecimento da companhia, por falta de um posto público. Um terço dos camiões de colecta de resíduos da cidade move-se também a GNC. Além disso, várias companhias de transporte rodoviário têm camiões movidos a gás. Apesar disso, na generalidade, Portugal está relativamente atrasado.

Agora há novos sinais de que isto poderia mudar, com o comercializador de gás Gold Energy a abrir no mês passado o seu segundo posto de enchimento no Carregado, a 38 km a norte de Lisboa, e ainda mais dois que devem ser abertos este ano. A unidade do Carregado foi em parte financiada pela UE de acordo com o seu plano dos Corredores Azuis, o qual tem como objectivo garantir uma amplitude continental para veículos de mercadorias.

O gás está a difundir-se mais amplamente do que o petróleo

Outros factores positivos para o gás como alternativa a combustíveis baseados no petróleo incluem sua distribuição mais igualitária por todo o mundo, com reservas não convencionais cerca de três vezes maiores que as convencionais, disse António da Costa Silva da companhia portuguesa de petróleo e gás Partex. O actual super investimento na exploração de petróleo e gás, argumentou ele, significa que o seu custo e vantagens ambientais serão agigantados.

"Estamos claramente a aproximar-nos de uma nova era, a do gás", afirmou ele na conferência.

Nos transportes, se bem que uma variedade de soluções desde os biocombustíveis à electricidade estejam a competir, Costa Silva prevê uma ascensão de 40% a 50% da procura de gás entre 2010 e 2050, proveniente de camiões, autocarros, comboios, navios e aviões.

"Um por cento da frota mundial de veículos já é movida a gás", observou ele, acrescentando que o gás "pode ser uma solução competitiva para o transporte no médio prazo".

Do ponto de vista de vista de Portugal, o secretário de Estado observou que mais da metade das recentes descobertas de gás têm sido em países de língua portuguesa, onde a Galp Energia e outras companhias portuguesas são activas. E no que se refere ao GNL, os terminais na Península Ibérica podem facilmente assimilar importações dos EUA e de outras paragens, em contraste com outras partes da UE onde estão em falta.

"No nosso caso, uma grande parte da infraestrutura já existe e está subutilizada", afirmou Trindade. Por vezes, acrescentou, menos de 20% da capacidade está em utilização. A questão do financiamento levantada anteriormente por Trindade foi mencionada como um obstáculo por Manuel da Cunha, director do operador de ferry de Lisboa, a Transtejo, o qual disse que fez várias tentativas para assegurar financiamento da UE para navios dual-fuel ou navios que combinem propulsão eléctrica e motores dual-fuel.

"Os desenhos estão prontos", afirmou. "Eles têm agora de ser comprados ".

Cunha culpou constrangimentos, incluindo alto investimento e custos com pessoal – sob as regras actuais, é necessário mais tripulação para ferries movidos a gás e eles precisam de treino especial – bem como preços elevados do gás. "Estamos simplesmente à espera de uma janela de oportunidade para ir em frente com os nossos planos".

Jacob, da APVGN, prometeu posteriormente tentar financiar a conversão de um barco piloto.

Em terra, a Auto Viação Feirense, uma companhia de autocarros no norte de Portugal que tem 14 veículos movidos a gás, mencionou poupanças significativas com a sua utilização.

O fisco poderia aniquilá-lo

Entretanto, isso acontece parcialmente graças ao facto de que o imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) não é cobrado sobre o gás; se isso mudasse, advertiram vários oradores, este perderia sua vantagem competitiva, uma vez que os próprios veículos são mais caros. Ministros das Finanças podem ser relutantes em renunciar ao rendimento da tributação do gasóleo se demasiados operadores de frotas comutarem para o gás natural.

"Se o ISP for aplicado ao gás, então está acabado", disse o director da Feirense, Gabriel Couto. "Para nós trata-se apenas de uma questão económica".

A Feirense utiliza o posto de abastecimento da STCP, de modo que está dependente dos seus horários de abertura, mas está ansiosa pela inauguração em Janeiro de um posto de abastecimento vizinho pela Gold Energy: prova de que ser um pioneiro poder trazer vantagens.

"Outras companhias pensavam que o que estamos a fazer era muito estranho", disse Couto. "Agora penso que outras acompanharão. Mas elas não vão obter seus próprios postos de abastecimento".

Até agora, a Goldenergy está a centrar-se em veículos de mercadorias com um raio de 300 km ou pouco mais na implantação da sua rede modesta, segundo Nuno Moreira, presidente da sua companhia controladora, a Dourogás. Para veículos ligeiros de passageiros, informou ele na conferência, cerca de 100 a 150 postos seria o ideal.

Houve queixas de participantes quanto ao arrastar de pés por parte das autoridades sobre o licenciamento de oficinas para a conversão de veículos e outros procedimentos burocráticos.

"As companhias estão claramente preparadas para avançar", afirmou Ricardo Felix, consultor de logística da Logistema. "Precisamos de acção por parte dos decisores políticos".

Uma nota discordante foi dada pelo director da Repsol Portugal, António Calçada de Sá. Enfatizando que a companhia espera a partir de 2016 começar a utilizar etano dos EUA como matéria-prima para a sua fábrica química em Sines, citou um estudo espanhol sobre táxis movidos a gás que, disse ele, mostravam que eram menos eficientes do que os de Ciclo Diesel, tanto quanto a emissões como à utilização da energia. Isto era, acrescentou, ainda mais verdadeiro em comparação com carros a gasóleo que cumprem os mais recentes padrões Euro VI – sem mencionar as fugas de gás metano dos veículos a gás que apresentam perigos em termos de aquecimento global.

Estas afirmações foram contestadas por, dentre outros, Jorge Rocha Teixeira da STCP, o qual argumentou que emissões de carbono deveriam ser comparadas na base "do furo à roda" ("well-to-wheel"). Os custos do equipamento e da manutenção, acrescentou, dependem do poder negocial: para a STCP o custo por quilómetro de um autocarro a gás é 40% mais baixo do que para o gasóleo quando a manutenção é levada em conta.

"A escala demonstrou-se ser um factor chave", corroborou Jacob nas suas observações conclusivas, as quais também destacaram o ponto de viragem que representa a iniciativa embrionária da Gold Energy. "Temos distribuidores e know-how suficiente; agora finalmente temos uma rede", concluiu Jacob.

— Alison Roberts, in International Gas Report / Issue 758 / October 6, 2014 / pgs. 12-14 . Tradução de J. Figueiredo.